quarta-feira, 23 de junho de 2010

A quem servem os partidos políticos?

Os indivíduos atuam por interesse, isto é, esperam recompensas. É a probabilidade de ser recompensado que move a política. Mesmo os idealistas intentam alcançar algo, nem que seja o reconhecimento de que são missionários de um novo mundo. Porém, o determinante é a recompensa material – vide a trajetória e o deslumbramento da geração que ascendeu socialmente pela militância política. São os interesses que prevalecem.
A palavra interesse, de origem latina, significa “estar entre”, “no meio”, “participar”. Os partidos políticos são organizações voltadas essencialmente para os interesses, isto é, o estar entre os que têm acesso a determinados bens simbólicos e materiais inacessíveis à maioria dos governados. Uma das suas principais funções é propiciar a socialização dos cargos e do patrimônio público à minoria que compõe o sistema político, a “sociedade política”.
Os partidos almejam o poder; alguns imaginam fazer a revolução e conquistar o Estado. No imediato, isto se traduz na conquista do governo e de posições no aparato estatal. Ocorre, então, uma inversão: são as instituições do Estado burguês que conquistam os partidos. O objetivo se reduz à garantia dos cargos no partido e no Estado, e, assim, ter o poder de multiplicar os pães, de transferir aos seguidores e discípulos as benesses da "máquina" do Estado – e ainda há quem lance mão do discurso de que é “exigência das bases” ou que foi “chamado a desempenhar a responsabilidade de participar do governo”, como se fosse um encargo. Numa realidade sócio-política em que o governante, desde a esfera municipal, tem o "poder da caneta”, isto é, pode indicar milhares de cargos de confiança, é de se imaginar a capacidade de comprometer o partido com a sua política. Eis o mistério nem sempre manifesto da política institucional.
Os partidos ideológicos imaginam romper com este esquema ao se proporem a revolucionar a política, isto é, a priorizarem a política extra-institucional e, no limite, a instrumentalizar a democracia qualificada como burguesa. Historicamente, porém, o resultado foi a instauração de ditaduras, da prevalência de uma nova classe social que age em nome do povo. O dilema dos partidos pretensamente revolucionários é que eles aceitam jogar o jogo e, assim, tão logo crescem em densidade eleitoral e organizativa tendem a descaracterizar a ideologia.
A radicalidade é proporcional à fragilidade eleitoral. Quanto menos tem a perder eleitoralmente, mais atua como a consciência crítica; quanto menor a força eleitoral, maior a vocação missionária e verborrágica. O projeto de poder o impele a ampliar inserção eleitoral e, portanto, a flexibilizar o programa e mensagem. Na medida em que disputam o Estado, estes partidos terminam por priorizar a estratégia da ocupação dos espaços em detrimento dos princípios, relegados à retórica revolucionária. E isto se dá na proporção das vitórias eleitorais.
O saber popular identifica bem a quem servem os partidos políticos. O tão falado povo empiricamente observa que, a despeito da retórica revolucionária, a vida permanece a mesma no dia seguinte às eleições. Ainda que compartilhe da alegria e/ou tristeza pela vitória e/ou derrota do partido “X” ou “Y”, logo retorna à dura realidade da luta pela sobrevivência, longe dos bastidores da política. E ainda que tenha depositado esperanças num determinado partido e seus eternos candidatos, logo também conclui que “são todos iguais”. Os indivíduos podem não compreender as teorias políticas, mas não são néscios; percebem claramente quem se locupleta com os partidos e mesmo os revolucionários são identificados aos profissionais da política.
Publicado em 19/06/2010 by Antonio Ozaí da Silva
Publicado em blog do ozaípolítica

O Panóptico: Foucault confirma Orwell

Ao ler Admirável Mundo Novo de Huxley e 1984de George Orwell, fiquei com a impressão de que aquele aparato estatal de vigilância com a Grande Tela e o Grande Irmão, as torturas, a tensão constante num ambiente de delação, fazia referência mais especificamente aos regimes totalitários de esquerda ou de direita, enquanto os modos pseudo-democráticos de condução e massificação deAdmirável Mundo Novo se identificavam categoricamente com a sociedade tecnológica, consumista e capitalista em que vivemos. As brilhantes comparações de Aldous Huxley no prefácio do seu ensaio de 1958, Regresso ao Admirável Mundo Novo reforçaram esta idéia de que os elementos coercitivos de 1984 caracterizavam as ditaduras, inclusive a brasileira dos militares pós 64 e os elementos de manipulação, de condução sutil “como um gado” de AMN seriam características das “democracias” capitalistas ocidentais, portanto com analogia mais acentuada com a nossa realidade atual.
Porém, ao ler sobre o pensamento e a obra de Michel Foucault, principalmente Vigiar e Punir(1975), percebi que o 1984 de Orwell está muito mais presente em nossa vida atual do que eu pensava. Senão superando a presença indiscutível de Admirável Mundo Novo, pelo menos participando em pé de igualdade no que diz respeito ao controle social em nosso tempo. Em Vigiar e Punir, Foucault trata com muita propriedade do tema da “Sociedade Disciplinar”, implantada a partir dos séculos XVII e XVIII, consistindo basicamente num sistema de controle social através da conjugação de várias técnicas de classificação, de seleção, de vigilância, de controle, que se ramificam pelas sociedades a partir de uma cadeia hierárquica vindo do poder central e se multiplicando numa rede de poderes interligados e capilares. O ser humano é selecionado e catalogado individualmente, não no sentido de valorizar suas particularidades que o fazem um ser único, “um mamífero com um grande cérebro”, como disse Huxley, mas para melhor controlá-lo. O sentido é dissecar o corpo social, transformar esta massa amorfa em micro seções individuais, para conhecer e controlar. O Poder nesse sentido é exercido de forma celular. Pois como diz Foucault, “toda forma de saber produz poder”. Dividir, classificar, conhecer cada célula social para governar. O poder é então baseado na “Microfísica do Poder”, outra obra de Foucault. O filósofo aponta que a motivação de toda esta rede de controle se justifica pela necessidade que a burguesia teve de efetivar um controle mais determinado sobre as massas, que poderiam representar um perigo explosivo, se fossem levados a sério os ideais da Revolução Francesa e do Iluminismo. Seria como se fossem abertas as comportas de uma imensa represa, cujas águas foram mantidas estancadas a milênios desde a Antigüidade remota, através dos mais variados mecanismos de poder, cuja argamassa da ignorância popular foi um dos elementos mais eficazes da sustentação desta barragem. Se deixassem essa imensa quantidade de água descer rio abaixo, livre com o conhecimento do Iluminismo, ela certamente inundaria e destruiria as luxuosas instalações do poder e sua corte finíssima, que hoje se traduz por burguesia. Era preciso consertar a velha barragem e parar essa força descomunal das massas ou então construir uma outra barragem e reservar o trinômio Liberdade, Igualdade e Fraternidade para os sócios do seleto clube burguês. Assim foi feito com a implantação da “Tecnologia das Disciplinas”.