sábado, 24 de julho de 2010

O "jeitinho" brasileiro do presidencialismo

O  diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Oxford (Inglaterra), Timothy Power, um estudioso do Brasil, apresentou a experiência do presidencialismo de alianças, “um manual para governar o País”. Trata-se de modelo com o “jeitinho” nacional, praticado durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Mais do que um escândalo de corrupção, para o professor, o mensalão – esquema de compra de votos de parlamentares – resultou da quebra de regras desse sistema. Power diz que presidentes latino-americanos se comportam como primeiros-ministros europeus: formam e cultivam alianças interpartidárias em seus congressos e parlamentos. “Governos de coalizão têm taxas de sucesso legislativo semelhantes às de ministérios de partidos únicos, que existem, por exemplo, nos Estados Unidos”, afirma, complementando que não há diferença estatística na aprovação de leis. O presidencialismo, segundo Power, foi criticado pelo sociólogo espanhol Juan Lins, que apontou imobilismo (se um chefe do executivo não tem maioria no Congresso, não governa), exclusão dos perdedores por muito tempo, legitimidade dupla (se os representantes dos poderes legislativo e executivo não forem eleitos simultaneamente, o mais recente se torna mais aceito) e ambiguidade do cargo (o presidente representa a nação e uma opção partidária). Power diz que a partir dos anos 90 essa visão se modificou e hoje se pensa que os presidentes dispõem de ferramentas para governar. O “manual” tem como primeiro item a formação de alianças desconexas, com partidos de ideologias diferentes. Foi o que fizeram Fernando Henrique, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), ao se coligar com o Partido da Frente Liberal (PFL) – hoje Democratas (Dem), e Lula, do Partido dos Trabalhadores (PT), na aliança com o Partido Liberal (PL) e mais adiante com o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), entre outros. “FHC mostrou que não é importante somente compor, mas também satisfazer os partidos participantes com recursos, loteamento de cargos”, destaca Power. Outra regra é a proporcionalidade – um partido deve ter o mesmo peso no Ministério e no Congresso. No primeiro ano de mandato, Lula não seguiu esse princípio. O governo era inicialmente formado por 28% de políticos do PT e 60% na segunda composição, já com o PMDB, no final de 2003. Grande parte das emendas de 2002 se destinaram a partidos de fora da coligação (76%) e 89% das emendas coletivas contemplaram estados governados pela oposição. Esse poder de liberar os recursos cabe ao presidente. No segundo mandato, Lula ajustou sua estratégia. O PT não concentra a maioria das pastas. Power, norte-americano radicado na Inglaterra, traça um perfil dos “mensaleiros”, agentes do esquema conhecido como mensalão, descoberto em 2005: tiveram votações dos seus estados como um todo, dificultando o controle por parte dos eleitores, ganharam mais apoio dos partidos durante a campanha e são os que mais apresentaram emendas ao Orçamento – mas não receberam acima da média. “São o estereótipo do político clientelista. A sua fome não foi saciada.” Três foram cassados – José Dirceu, Roberto Jefferson e Pedro Corrêa – e um renunciou – Valdemar Costa Neto. O conferencista propõe investigações sobre os impactos do presidencialismo de alianças para a transparência e qualidade da democracia latino- americana. Cita alguns: diluição de políticas públicas (pois há muitos a satisfazer), a imagem negativa do sistema (os partidos têm reputações de oportunistas) e o custo alto de governar, com distorções orçamentárias e escândalos de corrupção.

Trecho da Aula Inaugural da 1ª turma de Doutorado de Ciências Sociais da PUCRS, mar 2010.
Texto publicado na Revista PUCRS Informação - Ano XXXIII - Nº 150 - Julho-Agosto/2010.