A reflexão da gênese do filosofar nos leva por caminhos pressupostos e hipóteses, talvez particulares, talvez identificáveis na análise realizada por filósofos a respeito desse tema. Heidegger afirma que a única maneira de sabermos quem somos nós homens é através da descrição de como somos no mundo e das nossas características comportamentais. Além disso, cita que o homem é o único fazedor de mundos. Sendo o homem o único fazedor de mundos, podemos acreditar que para realizar essa ação o homem precisou passar por diferentes tipos de visões do mundo, já que para fazer um mundo é necessário olhá-lo de diferentes maneiras, de admirá-lo como possibilidade de transformação e construção. Essas visões de admiração que, segundo Platão, estão presentes na nascente filosófica de cada um que despertou ao filosofar, construindo mundos a partir de um maravilhamento antes não sentido, um espanto, um estranhamento no olhar, uma surpresa com as coisas ou com o mundo por ele ser como ele é. E é a partir desse espanto, de ver como se fosse a primeira vez, que o homem se admira e transforma-se, descrevendo e criticando a maneira como somos no mundo e nos tornando fazedor de mundos e de outros homens em si.
A partir desse momento, acontece a ruptura com o automatismo, com o óbvio, com a cristalização do significado. E é a partir dessa intuição filosófica, citada por Bergson, que acontece a atitude filosófica, atitude de tensionamento no limite do dizer e do pensar, desistindo do fim restritivo e aceitando novos começos, recomeços e aberturas. O homem então percebe que existe muito silêncio no que está sendo percebido. Inicia-se um movimento interno de reflexão e de admiração ingênua, que como cita Bornheim, é uma atitude consciente, de afirmação e abertura, de rompimento com o dogmatismo. E esse rompimento surge como mudança, pois antes aceitava o mundo como dado, já feito e não lhe ocorria colocar em dúvida esse mundo.
Quando acontece a quebra desse dogmatismo e o homem principia na admiração ingênua, ele percebe que traz em si a forma inteira da condição humana e coloca-se em movimento por si mesmo e então se percebe com uma nova consciência. Uma consciência em movimento, que pode vir a se tornar imortal, conforme Platão representa em Fedro, na demonstração da imortalidade do que se move por si mesmo. Segundo o filósofo, o que se move a si mesmo é imortal, ao passo que, naquilo que move alguma coisa, mas, por sua vez, é também movido por outra, a cessação do movimento corresponde ao fim da existência. Somente o que se move a si mesmo não deixará de mover-se e, sendo assim, constitui também fonte de movimento para as outras coisas que se movem. Desta maneira, o despertar à filosofia inicia a partir de um movimento interno, reflexivo e admirativo, gerado pelo próprio homem, que corresponde ao princípio de uma outra existência. E esse princípio constitui algo inato, pois é a partir de um princípio que necessariamente assume existência tudo aquilo que existe.
A experiência negativa, da dúvida, gera a supressão provisória do conhecimento e essa dúvida aguça o espírito crítico próprio da vida filosófica, provando, desta maneira, a eficácia da dúvida, já que a consciência da ignorância provoca a interrogação daquilo que ignora, levando ao conhecimento, que é a supressão da ignorância. O homem percebe que ama o conhecimento e passa a buscá-lo, pois se pergunta pelo sentido da sua própria existência. Enxerga o mundo exterior abandonado e isso é sentido de insatisfação. O homem toma consciência de sua própria miséria e problematiza a condição implícita de mundo. A dúvida surge como um estágio bastante adiantado da filosofia, segundo Bornheim, já que a dúvida supõe outras filosofias, pois apenas a partir de uma saturação de conhecimentos e de pontos de vista existentes pode a dúvida surgir e impor-se como necessidade. Mas, em contrapartida, Santo Agostinho nos alerta sobre aqueles que buscam o conhecimento e amam o conhecimento. O despertar à filosofia pode ocorrer a partir do momento em que se percebe que ama o saber, que ama saber mais, que ama aquilo que sabe e deseja saber e descobrir outras coisas. Esse seria o verdadeiro sábio. Ao contrário do curioso, que ama saber o desconhecido e, desta maneira, odeia o desconhecido e deseja que ele termine. A conversão filosófica ocorre quando o homem sente a abertura para o real e para o irreal, e percebe a liberdade como dom de si. Afinal, segundo Heidegger, o homem quer ao menos uma vez chegar ao lugar em que já está.
Do Livro SINAIS DO AMANHÃ
Felipe Szyszka Karazek
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